A nova Lei da Filantropia: presente de Natal ou castigo para o Ano Novo?

Por: Marcos Biasioli
01 Janeiro 2010 - 00h00

Na carona do Natal, o Poder Legislativo, fazendo as vezes do bom velhinho, colocou debaixo da árvore a nova Lei da Filantropia, nº 12.101/09, sancionada pelo presidente da República e publicada no Diário Oficial da União em 30 de novembro passado.

A lei, sucessora do decreto nº 2.536/98 e do artigo 55 da lei nº 8.212/91, teve a missão de reconstruir a regulação da certificação das entidades beneficentes de assistência social e da isenção das contribuições para a seguridade social, e se tornar a vedete que imprime um novo marco legal ao Terceiro Setor no que se refere à Política Nacional de Assistência Social.

A leitura desatenta, desprovida de malícia jurídica, só enxerga obviedade, como questões de mudança de competência para julgamento da entidade social, para os Ministérios da Educação, Saúde e Desenvolvimento Social; prazos para renovação e validades de certificado; inexigibilidade de desmembramento de atividade social; e outras querelas de menor importância. Contudo, aquilo que se lê e não se vê, há de se temer. Assim, é bom desembrulhar para saber se o “presente de Natal” em verdade não é um “presente de grego”, e esse será o desafio.

Contrapartida da
isenção previdenciária

Discute-se no Supremo Tribunal Federal (STF), há dez anos, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 2.028, o fato de uma lei que não foi votada pela maioria absoluta do Congresso Nacional poder impor regras ao controle da imunidade tributária das entidades beneficentes. Ocorre que o mérito da ação é justamente para soterrar a nova redação do artigo 55 da lei nº 8.212/91, que regulava a isenção previdenciária das entidades beneficentes. Ao examinar devidamente a nova lei, logo se identifica que o referido artigo foi revogado.

Nesse cenário, a Adin perdeu seu objeto, ao menos para produzir efeitos futuros, pois ainda que o STF reconheça como inconstitucional a redação da lei nº 9.732/98, que alterou a redação primitiva do artigo 55, a decisão dificilmente atingirá o mérito da nova regulação, por uma questão de ordem processual.

De modo didático, as filantrópicas, para serem imunes ao recolhimento das contribuições sociais, ficariam obrigadas apenas a atender as regras impostas pelo artigo 14 do Código Tributário Nacional, que são: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II – aplicarem integralmente no país os seus recursos na manutenção dos objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

Em outras palavras, qualquer exigência relacionada à obrigatoriedade de se fazer gratuidade ou possuir outros reconhecimentos públicos como condição sine qua non a tal benefício fiscal pode cair por terra com a procedência daquela ação.

Por base, todos os processos administrativos perderiam o objeto e o fisco correria grande risco de ter de devolver os frutos havidos em embates com o ente social, sob a guarida da lei nº 8.212/91. De outro lado, julgada improcedente, a regra da referida lei continuou sendo aplicada até 29 de novembro de 2009, ou seja, um dia antes da nova lei nº 12.101/09 entrar em vigor, sendo que, dali em diante, mesmo que a Adin seja procedente, a eficácia da nova lei somente será suprimida, pelo mesmo argumento jurídico, se for intentada outra ação de igual natureza.

Política de Estado versus política de governo

Embora alvo de diversas críticas, não se pode esquecer que o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) possuía uma singularidade quanto à participação popular em seus processos. Por ser um órgão paritário, havia possibilidade real de sistematizar um mecanismo regulador de normas considerando as mais diversas visões e interesses.

Hoje, entretanto, pouco se sabe sobre o modus operandi que será adotado pelos ministérios, embora não subsista surpresa ao se deparar com políticas de governo e não de Estado, nas quais o apadrinhamento político contará pontos no placar da certificação.

Pode ser prematuro afirmar, mas um cartório político poderá ser instalado se medidas não forem tomadas no sentido de que a sociedade civil tenha voz e poder para decidir conjuntamente com ministérios, nos moldes da política anteriormente praticada pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome por meio do CNAS.

Inexigibilidade de cisão versus preponderância

Alardeava-se que a nova lei viria com a exigência de que as entidades que possuem mais de uma finalidade social fossem obrigadas a segregar suas atividades em pessoas jurídicas com personalidades distintas. Contudo, o novo marco legal não cometeu essa heresia jurídica, pois afrontaria cláusula pétrea da Constituição Federal, que é o direito de associação para fins lícitos.

Para compensar tal supressão, o Poder Legislativo impôs às entidades que promovam, ao menos em sede contábil, a segregação patrimonial para fins de se identificar a serventia do patrimônio. E mais, regulou que a competência para julgamento das instituições será atribuída pela própria entidade, ou seja, o que prevalecerá será a atividade preponderante da entidade. O que se pergunta é: de que modo as entidades saberão qual a sua atividade preponderante se o único critério apontado pela nova norma é avaliar o que dispõe o cartão CNPJ?
Intimamente, sabe-se que atividade preponderante é aquela que consome mais o ativo da entidade. Mas e para aquelas que captam recursos por meio da geração de renda? Pode-se pensar em um critério de ordem financeira, talvez como o volume de receita?

Por ora, o importante é segregar ao menos na seara contábil, por meio de centros de custos, as atividades sociais, cuja prática corroborará com a identificação da serventia patrimonial.

O lado oculto da regulação da assistência social

Consta da lei, como condição à conquista do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Ceas), que a entidade de assistência social deve realizar ações assistenciais, de forma gratuita, continuada e planejada, para os usuários e a quem dela necessitar.

É sabido que tal normativo seguiu os parâmetros da Loas; porém, o fato curioso é que não se impôs nenhuma exigência quanto à limitação orçamentária que a instituição deve aplicar em suas ações sociais, pois antes havia a imposição do emprego de recursos nos seus fins, de ao menos 20% da receita bruta, mas agora, ante à previsão de que elas devem ser gratuitas, há uma suscitação a fazer: será que as práticas de gratuidades parciais serão admitidas?

Ao que tudo indica, não, pois pelo conceito amplo, as ações se destinam a quem dela necessitar, e assim aquele que pode pagar, ainda que parcialmente, não se enquadraria em tal conceito.

Trava-se aqui um grande dilema para as instituições de assistência social, pois antes se sabia do mínimo, agora só se sabe do máximo de quanto se deve aplicar em ações gratuitas, isto é, tudo aquilo que ela arrecada.

É salutar lembrar que a nova lei não retirou do CNAS o poder de regular as políticas da assistência social; basta conferir o que dispõe o artigo 18 da

Loas, e, assim, caberá a ele manter ou não parte da Resolução nº 177/00, no tópico que determina o quilate de 20% de emprego das receitas brutas em assistência social.

Em época de discussões mundiais climáticas com a Conferência COP15, em Copenhague, na Dinamarca, Papai Noel chegou para esquentar o clima das entidades filantrópicas, trazendo uma nova lei encomendada pelo Poder Legislativo com adornos do Poder Executivo. O que será visto daqui para frente é se o bom velhinho fez ou não um bom trabalho!

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