Não existem dúvidas a respeito da dimensão e da importância das ações, projetos e investimentos sociais realizados pelos setores privado e não-governamental no Brasil. Estima-se que ambos totalizem mais de 2,5% do PIB do país.
Este cenário também propicia uma movimentação bastante comum, anterior ao crescimento do movimento de responsabilidade social empresarial no Brasil, que é o da realização de parcerias entre o setor privado e o Terceiro Setor, sendo este último muitas vezes representante da comunidade em que o projeto será realizado (associação de moradores, grupos locais) ou o próprio público-alvo da ação (ONG ambientalista, direcionada à terceira idade, voltada para o segmento cultural, entre outras).
A maior preocupação, já discutida em trabalhos, pesquisas e artigos acadêmicos, é que muitas empresas têm demonstrado insatisfação na qualidade destas relações e, principalmente, com o amadorismo que costumeiramente permeia a gestão das instituições sem fins lucrativos. | Muitas instituições são apoiadas por uma mesma empresa há mais de cinco anos e estão cada vez mais dependentes e fragilizadas, da mesma maneira que a ineficiência e o desperdício de recursos também crescem quando os volumes transacionados são maiores |
Vale lembrar que o verdadeiro Terceiro Setor brasileiro não se assemelha às características presentes pelas instituições associadas ao Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife) ou por instituições que estão na mídia e são exceções nos aspectos de profissionalização da gestão como, por exemplo, Instituto Ayrton Senna, Viva Rio, Obras Sociais Irmã Dulce, Ibase, Fundação Gol de Letra, entre tantas outras.
A palavra “verdadeiro” aqui significa o sentido de grande parte das instituições que integra o setor e não de apropriação indevida de personalidade jurídica ou de representação do setor.
Assim, a maioria das ONGs brasileiras, independente das polêmicas conceituais presente nas comunidades, tem as seguintes características:
• Domínio da sua atividade-fim;
• Criatividade;
• Capacidade de trabalhar com o imprevisto;
• Compromisso com a causa social;
• Atividades assistenciais;
• Deficiência crônica na estrutura de gestão;
• Amadorismo;
• Indefinição de foco;
• Inexistência ou deficiência no planejamento estratégico e/ou operacional;
• Pouca representatividade;
• Processo de decisão lento e centralizado;
• Inexistência e/ou deficiência do sistema de informações;
• Falta de sensibilização de pessoal para o trabalho voluntário;
• Processo de decisão lento e centralizado;
• Falta de recursos humanos e materiais, como também de um sistema administrativo;
• Influência político-partidária;
• Nível de escolaridade inadequado para o exercício do papel dos gestores;
• Inexistência e/ou deficiência na área de comunicação/marketing.
Dependência
Diante deste panorama, podemos destacar que as principais dificuldades destas instituições referem-se aos aspectos de gestão, o que compromete muito o atual modelo de parceria empresa-Terceiro Setor, excessivamente concentrado no repasse de recursos financeiros e com pouca presença de ações de desenvolvimento institucional.
Portanto, muitas destas instituições são apoiadas por uma mesma empresa há mais de cinco anos e estão cada vez mais dependentes e fragilizadas, da mesma maneira que a ineficiência e o desperdício de recursos também crescem quando os volumes transacionados são maiores. Em outras palavras, quem gerencia de maneira pouco eficiente a quantia de
R$ 10 mil terá problemas gerenciais muito maiores com R$ 100 mil.
Precauções
Com este quadro, no intuito de maximizar a riqueza destas relações de parceria e o quão positiva para ambas ela pode ser, seguem abaixo algumas sugestões de mudanças neste modelo de conexão. São elas:
• Parcerias devem ter objetivos claros;
• Cada projeto precisa ter início, meio e fim determinados;
• O envolvimento da empresa com a organização não-governamental e o projeto jamais pode ser baseado em mero repasse de recursos;
• Durante o projeto, deverão ser formados multiplicadores internos na ONG parceira para dar continuidade às ações realizadas;
• É fundamental que o enfoque seja dado a partir de uma organização não-governamental que não seja beneficiária do processo e, sim, um agente ativo na parceria, inclusive com a obrigação de oferecer uma contrapartida real (mobilização da comunidade, disponibilização de voluntários etc.), evitando relações de simples patrocínio;
• Definir como condição desejável ao repasse/apoio da empresa uma ação específica na área de gestão e/ou treinamento gerencial, que pode ser executado até por uma terceira instituição, como, por exemplo, uma consultoria ou alguma universidade;
• Buscar a união nas ações de negócio da empresa e ação social (domínio do negócio), ou seja, aproveitar a expertise da empresa para os projetos sociais;
• Definição de estrutura própria na empresa para a área social e/ou parceria com entidades especializadas;
• Estimular, apoiar, desenvolver e priorizar que seus gestores e colaboradores exerçam o chamado voluntariado do conhecimento (orientação técnica nos aspectos de gestão, apoio na captação de recursos e na articulação de outros parceiros, construção de sites, elaboração de um plano de comunicação etc.);
• Conceber e negociar com a entidade parceira um sistema de avaliação da parceria e/ou do projeto (indicadores de resultados).
Não há dúvida da existência de muitas destas características em alguns modelos de gestão da atuação social externa de algumas empresas, mas ainda são exceções. A melhoria da relação da empresa com esse stakeholder (parte interessada) tão importante é apenas um dos capítulos da extensa agenda da responsabilidade social empresarial.
Mas, com certeza, é uma alternativa melhor do que criar um braço social da empresa (uma outra personalidade jurídica) e desconsiderar os trabalhos sociais já realizados pelo setor não-governamental.
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