David Bornstein

Por: Elaine Iorio
01 Outubro 2005 - 00h00

David Bornstein tinha tudo para ser uma pessoa comum. Nascido e criado em Montreal, no Canadá, cursou Administração na Universidade McGill e trabalhou como analista de sistemas. Seu grande sonho era ser um homem muito rico e comprar um Jaguar.

Mas, de uma hora para outra, seus objetivos de vida perderam o sentido. Sem saber ao certo que caminho seguir, colocou uma mochila nas costas e viajou pelo mundo. Visitou países da Ásia e do sul do Pacífico e, ao voltar, sentiu a necessidade de escrever sobre tudo o que vivenciara.

Mudou-se para os Estados Unidos e foi estudar Jornalismo na Universidade de Nova York. Atuou por cinco anos como freelancer em publicações americanas e européias, cobrindo pautas políticas e policiais, até conhecer uma experiência asiática que estava mudando a vida de milhões de pessoas.

Em Bangladesh, Muhammad Yunus, fundador do Banco Grameen, havia desenvolvido um sistema de micro-crédito que oferecia empréstimos para a classe mais pobre da população. Com o dinheiro, as pessoas tinham a oportunidade de incrementar seus trabalhos e aumentar a renda – história contada por David em seu primeiro livro: O preço de um sonho: A história do Banco Grameen (The price of a dream: The story of the Grameen Bank).

Naquele momento, David descobriu que o mundo não era feito apenas de problemas, mas que havia também boas notícias a se contar. E essa era sua verdadeira vocação.

Incentivado pela busca de experiências semelhantes, ele conheceu Bill Drayton, fundador da Ashoka Empreendedores Sociais. Usando a rede internacional como ponto de partida, entrevistou pessoalmente mais de cem empreendedores sociais em oito países, inclusive no Brasil. As histórias de maior impacto social estão no livro Como mudar o mundo – Empreendedores sociais e o poder das novas idéias (How to change the world – Social entrepreneurs and the power of new ideas), considerado o trabalho mais importante sobre empreendedorismo social.

Em entrevista por e-mail à Revista Filantropia, David relembra os cinco anos de pesquisa e conta os detalhes da obra, que acaba de chegar ao Brasil pela Editora Record.


Revista Filantropia: Você desenvolve alguma atividade social em sua vida pessoal?

David Bornstein: Sim, faço muitos trabalhos em organizações, ajudando-as a pensar estrategicamente e a fazer contatos para conseguir financiamento e atenção da mídia. Gosto muito de fazer isso, de ajudar pessoas que têm potencial para fazer algo especial para o bem do povo.


Filantropia:
Quando e como você realmente começou a se dedicar à área social?

DB: Comecei a escrever sobre mudanças e inovações sociais em 1992, quando fui a Bangladesh pela primeira vez para estudar o Banco Grameen. Naturalmente, uma pessoa não pode saber tudo. Mas para o segundo livro, passei cinco anos pesquisando mais de cem empresários sociais em oito países.


Filantropia: O que o incentivou a escrever Como mudar o mundo?

DB: Eu fiquei fascinado e inspirado com o trabalho de empresários sociais que conheci no Brasil, em Bangladesh, e em outros países,que estavam resolvendo problemas sociais em larga escala. A maioria dessas histórias dificilmente era mostrada nos jornais. Eu percebi que o empreendedorismo social era um ramo que estava crescendo rapidamente e que merecia muito mais atenção da mídia, dos governantes, dos acadêmicos e dos financiadores. Então, me senti compelido a escrever o livro de histórias para mostrar, de maneira divertida e informativa, a beleza do empreendedorismo social.


Filantropia: Você costuma comparar empreendedores sociais com empresários. Quais as semelhanças e diferenças entre eles?

DB: Em termos de personalidade, a maneira como pensam sobre os problemas e como usam a criatividade para utilizar os recursos, sua determinação para tornar os sonhos reais são características muito parecidas com os empreendedores de negócio. A diferença é que os empreendedores sociais são levados a criar organizações que primeiramente criam o social, para depois pensar no econômico. Eles resolvem problemas, como aliviar a pobreza, manter a saúde das crianças, ajudar as pessoas com deficiência a viverem uma vida mais agradável. Então, eles têm os mesmos tipos de habilidades de um homem de negócios, mas sua motivação é profundamente baseada na preocupação ética. Uma necessidade de ajudar as pessoas de modo sistemático e de espalhar suas idéias pela sociedade.


Filantropia: Como foi o processo de pesquisa para o livro?

DB: Eu entrevistei centenas de pessoas em oito países: Brasil, Hungria, Polônia, África do Sul, Índia, Bangladesh, Estados Unidos e Canadá. Foram muitos meses de viagem, incluindo três ao Brasil. Todas as histórias do livro são baseadas em conversas diretas e observações de pessoas que fazem o trabalho de fato, que vão a campo.


Filantropia: Entre tantos exemplos, como você escolheu as histórias que fazem parte do livro?

DB: Eu escolhi uma variedade de histórias baseadas no impacto, no tipo de problema (saúde, deficiência, pobreza, meio ambiente etc.), a qualidade da história do empreendedor social, o tempo que tinham para se dedicar às entrevistas e as qualidades intelectuais e emocionais combinadas.


Filantropia: Durante o processo de pesquisa, qual idéia social que mais lhe atraiu?

DB: É difícil dizer, mas fiquei emocionado com a história de Erszebet Szekeres, da Hungria, que trabalhou incansavelmente para garantir que seu filho, Tibor, que tem deficiências sérias, pudesse viver uma vida feliz. Fazendo isso, ela criou oportunidades para muitas outras pessoas com deficiência e desafiou o sistema a se tornar mais humano.


Filantropia: Seu livro é considerado pela crítica internacional como o trabalho mais importante publicado sobre empreendedorismo social. Na sua opinião, qual é o motivo desse sucesso?

DB: Há pouquíssimas obras sobre o assunto, mas meu livro é de escopo global, baseado em informações amplas, em primeira mão, e de excelentes exemplos. Todas as informações do livro foram checadas para garantir a exatidão. Além disso, o livro combina o ato de contar histórias e de analisá-las, o que faz com que, na minha opinião, se torne mais acessível a muitas pessoas.


Filantropia: Como você chegou aos empreendedores brasileiros? Comente sobre alguns deles.

DB: Eu os identifiquei por meio da parceria com a Ashoka, que possui muitos parceiros no Brasil. Os dois empreendedores em que foquei foram Vera Cordeiro e Fábio Rosa. A Vera fundou a Associação Saúde Criança Renascer, em 1991, no Hospital Público de Lagoa, Rio de Janeiro. O objetivo da entidade é oferecer assistência em casos de emergência a crianças doentes de famílias de baixa renda, durante e imediatamente após a internação. Centenas de crianças se internam em hospitais públicos por mês e muitas vivem em extrema pobreza. Fatores ligados a condições econômicas, domésticas, psicológicas e sociais criam fardos insuportáveis para essas crianças e suas famílias. E, naturalmente, essas condições adversas inibem a recuperação da criação e garantem repetidas visitas ao hospital. A Renascer procura quebrar esse círculo vicioso ao fornecer às famílias o mínimo de apoio material e psicológico necessário para a recuperação em casa ou, pelo menos, para minimizar o sofrimento do paciente. Desde o início, a Renascer foi duplicada para 14 hospitais públicos do Rio de Janeiro e de duas outras cidades, assistindo 20 mil crianças. A organização está desenvolvendo um modelo, em que Vera está trabalhando, para ser reproduzido em outros hospitais públicos do Brasil.

Fábio Rosa trabalha há anos para fornecer eletricidade a baixo custo para pessoas pobres do Brasil, onde 20 milhões de cidadãos ainda não têm energia. Nos anos 80 e 90, Rosa desenvolveu um sistema de distribuição elétrica monofásico (que utiliza um fio em vez de três), 95% mais barato que o modelo de distribuição do governo, e passou duas décadas lutando com companhias elétricas para espalhar seu sistema. Hoje, o modelo criado por ele atinge mais de um milhão de brasileiros. Depois de tantas frustrações ao lidar com a burocracia do governo, Rosa decidiu abrir uma empresa inovadora, para levar energia solar aos moradores rurais do país. Ele sabia que os brasileiros pobres não podiam pagar pela energia solar, já que os painéis são muito caros. Ao fazer uma pesquisa de mercado, ele descobriu que as pessoas gastavam US$ 13 por mês com velas, baterias e querosene. Rosa viu que estava indo pelo caminho errado, tentando vender os painéis. Um painel solar, com boa manutenção, pode durar até 25 anos, mas por que pedir para as pessoas pobres pagarem antecipadamente por 25 anos de eletricidade? Elas deveriam pagar conforme forem usando, como a comida. Então, ele percebeu que alugar os painéis solares por US$ 13 ao mês poderia ser um ótimo negócio.

Rosa se aproximou de alguns moradores e disse: “Em vez de gastar com velas, querosene e baterias, por que vocês não me pagam US$ 13 por mês e eu instalarei painéis solares e equipamentos de eletricidade? Vocês terão luz melhor, suas casas não ficaram muito quentes à noite e as crianças não terão de inalar a fumaça das lâmpadas de querosene”. As pessoas gostaram da idéia e, então, Rosa lançou seu negócio de aluguel com o nome O sol brilha para todos. Ele também criou a ONG Ideaas [Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas e da Auto-Sustentabilidade], que fornece eletricidade e serviços a taxas baixas para famílias muito pobres que gastam menos de US$ 10 por mês em energia. Nos últimos 2 anos, ele começou a captar investimento e a construir uma rede de eletricistas para instalar e manter os sistemas solares elétricos. Seu alvo de mercado inicial são mil casas. As 200 primeiras já estão funcionando em fase de teste.


Filantropia: Qual sua visão sobre o setor social brasileiro?

DB: O Brasil tem um setor social animador, com alguns dos melhores empreendedores do mundo. Junto com a Índia e os Estados Unidos, o Brasil provavelmente é o país que tem os empreendedores sociais mais dinâmicos. Se eles receberem o apoio que precisam de empresas, doadores e do governo, vão ajudar no avanço de mudanças importantes no Brasil na próxima década.


Filantropia: Qual é a missão do empreendedor social no cenário atual, no qual milhões de pessoas passam fome enquanto um pequeno grupo de privilegiados nem sequer toma conhecimento dos problemas alheios?

DB: Há muitos papéis para o empreendedor social. Nós precisamos de novas instituições para aliviar a pobreza de maneira mais eficaz, construir pontes com a economia, melhorar os sistemas educacional e de saúde, que forneçam informações para ajudar as pessoas a entender a natureza da pobreza e que ajudem a manter o governo mais responsável para todos da sociedade. Resumindo, o papel do empreendedor social é desenvolver um largo conjunto de diferentes soluções e construir instituições que tornem essas soluções reais, além de as fazer crescer.


Filantropia: Como as empresas e o governo podem contribuir para esse movimento social? Quais as vantagens para ambos?

DB: As empresas podem colaborar de várias maneiras: ao apoiar as organizações, procurar acordos híbridos com empresas que sejam criativas e trabalhem com empreendedores sociais, a fim de chamar a atenção para as necessidades sociais, como moradia, nutrição e saúde. As empresas também podem compartilhar conhecimento sobre como administrar organizações eficazes. Já o governo deveria olhar os empreendedores sociais como uma fonte de novas idéias políticas – melhores maneiras de resolver problemas sociais –, e deveriam formar parcerias para aumentar soluções que dão certo.


Filantropia: Qualquer pessoa pode ser um empreendedor social? Quais são os requisitos básicos?

DB: Todos podem ser empreendedores sociais de alguma maneira. É claro que nem todos podem construir uma grande organização, e nem todo mundo iria querer isso. Mas todos podem usar sua energia e voz para responder às necessidades sociais a sua volta, e desafiar o status quo. O principal do empreendedorismo social é a falta de vontade em aceitar o mundo como ele é. É uma posição desafiante: dizer que algo está errado e que eu posso fazer algo para mudar a situação. Quem tentar fazer algo novo, mesmo em pequena escala, muda o mundo, e descobre que ele muda a si próprio no processo.


Filantropia: O trabalho de elaboração do livro, as viagens, o contato com outros povos, culturas, políticas e economias mudaram a sua visão sobre o mundo?

DB: Muito. Eu agora vejo a história escondida do mundo – esse vasto panorama de inovação social e ingenuidade. O que eu vi nos últimos cinco anos eu não teria visto se lesse os jornais todos os dias por 20 anos. Se você assiste ao noticiário, sua cabeça fica cheia de histórias de crimes, política, corrupção, terrorismo. Você nunca iria saber sobre as mudanças sociais que estão transformando o mundo, afetando milhões de vidas. Há muito mais empreendedores sociais do que terroristas. Hoje, minha cabeça está repleta de histórias de pessoas pelo mundo que avançam para mudanças positivas e poderosas. Como resultado, eu tenho mais fé de que a transformação é possível. Eu também percebi que apenas uma pessoa pode fazer a diferença, e isso tem me ajudado a descobrir minha própria capacidade de efetivar mudanças.

 

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