Todos os anos, volumes enormes de produtos importados, como alimentos, peças de vestuário, brinquedos e outros, são recolhidos pela Receita Federal em portos, aeroportos e fronteiras em todo o Brasil. São mercadorias abandonadas ou ilegais, resultado de contrabando, falsificação, falha na documentação ou falta de pagamento de impostos, que acabam sendo apreendidas, recebendo vários destinos.
Um deles são as entidades sem fins lucrativos. Dispositivo previsto por lei há quase 30 anos, esse benefício não é novidade, porém ainda é desconhecido de parte das instituições.
O procedimento é simples. Basta que a instituição solicite por carta, por meio de representante legal, o interesse no recebimento desses materiais. O pedido deve ser enviado à unidade da Receita Federal mais próxima da região onde se encontra a entidade, em nome do superintendente ou do delegado local.
Depois de analisada a solicitação, a instituição é chamada para apresentar a documentação necessária, como comprovantes da constituição da entidade (CNPJ), de identificação do representante legal e da entrega da última Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ).
Também é preciso fornecer declaração de utilidade pública (municipal, estadual ou federal), ou mesmo certificado de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip).
Não há um padrão rígido na escolha da destinação das mercadorias apreendidas, nem é possível prever o produto e volume a ser doado ou as entidades a serem beneficiadas.
O que se sabe é que a apreensão passa primeiro por processo administrativo, podendo legalizar a situação do importador, que consegue reaver o material. Em alguns casos, a Justiça é acionada, aumentando o tempo da guarda dos produtos até mesmo em anos.
Já os itens que não sofrem devolução podem ser submetidos à “pena de perdimento”. Entre eles estão os que são doados às instituições. As outras opções de destino são: leilões a pessoas jurídicas e físicas, destruição (derivados do tabaco, armas, drogas, produtos falsificados e outros) e doação a órgãos públicos.
De acordo com a lei, a escolha entre essas opções depende da necessidade de gerar recursos ao Fundaf (Fundo de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização) e das demandas apresentadas pelos diversos órgãos públicos. O objetivo é promover o rápido esvaziamento dos depósitos de mercadorias, para permitir que a Receita Federal cumpra sua função institucional.
Segundo dados do órgão, no ano passado foram apreendidos mais de R$ 415 milhões em mercadorias em território nacional. Desse valor, 20% foram leiloados; 21% incorporados por órgãos públicos; 18% destruídos e 25% sofreram outras saídas (como a devolução a quem é responsável pela importação do produto).
As entidades sem fins lucrativos receberam, em 2003, apenas 9% desse total. Isso se explica pelo fato de as mercadorias serem de baixo valor comercial, como indica o trecho da lei que dispõe sobre o tipo de produto a ser entregue às instituições filantrópicas.
É o que leva as organizações públicas a se beneficiarem, por exemplo, de eletrônicos, itens de informática e veículos, ou seja, produtos mais caros que, somados, ultrapassam o volume em reais das doações ao Terceiro Setor. Entre os beneficiários públicos incluem-se escolas, hospitais, universidades, creches, além de ministérios, secretarias etc.
Por outro lado, com a entrada do governo Lula e a conseqüente implantação do programa Fome Zero, as entidades sem fins lucrativos ganharam mais força na ordem de prioridades. Isso porque, em março de 2003, o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, determinou a destinação de mercadorias apreendidas para contemplar preferencialmente as demandas do Ministério de Estado Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (Mesa).
Segundo a Receita, a medida foi tomada em vista da necessidade de atender às áreas de ação prioritária do governo federal, sobretudo aquelas definidas pelo Fome Zero e pelo órgão gestor do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.
Quem responde pela autorização e determinação das doações são o secretário e os superintendentes regionais da Receita Federal, sendo que o trâmite pode ser acompanhado pela página do órgão na internet.
“O pedido deve ser o mais completo possível, incluindo a atividade da entidade sem fins lucrativos, o trabalho que ela desempenha, as necessidades para sua manutenção, o público alvo etc”, explica Ana Lúcia de Andrade, presidente da Apae/Florianópolis.
Uma das maiores beneficiadas, a Apae recebe produtos em todas as suas unidades espalhadas pelo Brasil. Em março deste ano, somente para a entidade catarinense foram dirigidos cerca de R$ 52 mil em objetos de bazar, vestuário e brinquedos.
Os produtos geralmente são aparelhos eletrônicos de baixo valor, itens de vestuário, alimentos, brindes e outros bens utilizados pela própria entidade ou para a realização de feiras, quermesses e bazares beneficentes. “A idéia é angariar recursos para a manutenção da entidade”, afirma Ana Lúcia.
A Apae/Florianópolis existe há 40 anos e atende 303 alunos de 1 mês a 70 anos de idade. Há pelo menos duas décadas é gratificada pela lei. “Costumamos revender os produtos na Feira da Esperança, que realizamos anualmente na cidade”, diz a presidente da unidade catarinense.
Para dar continuidade ao próprio trabalho, esta, como outras Apaes, mantém convênios com os governos municipal e estadual. Por outro lado, a doação da Receita Federal tem grande importância para a entidade. “Em 2003, os produtos representaram mais de 50% das vendas na Feira da Esperança. Junto a outros bazares, arrecadamos cerca de R$ 320 mil no ano. Por isso, consideramos essa uma das principais formas de captação da instituição”, complementa.
De olho neste filão, a Apae tem uma equipe que cuida exclusivamente das solicitações junto à Receita Federal. “Os pedidos priorizam quem faz bazar”, explica Ana Lúcia.
Manter um bom relacionamento com a Receita, e mesmo com outros doadores, é outra dica. Um caminho fundamental é a prestação de contas. “Procuramos sempre divulgar o uso desses recursos, pois credibilidade e transparência fazem toda a diferença”.
Mas nem todas as entidades têm obtido facilidade na aquisição das mercadorias. “Ligamos diversas vezes quase implorando para que respondessem aos nossos pedidos”, relata Luiza Mariko S. Correa, presidente do Lar da Redenção, que em fevereiro deste ano recebeu um lote de produtos avaliados em pouco mais de R$ 5 mil. “A resposta é sempre de que existem muitas instituições e que eles não conseguem atender a todos.”
Localizada em São Paulo, a entidade atua há 22 anos com pessoas portadoras de necessidades especiais. Atualmente abriga 13 crianças em regime de externato.
Assim como a Apae, uma de suas principais formas de captação de recursos está na venda de itens doados. Para tanto, todos os sábados, das 10h às 16h, o Lar realiza bazares, cuja arrecadação chegou a contribuir para a construção da sede própria, no bairro da Mooca. “Não podemos depender somente da Receita Federal. Contamos com empresas e pessoas físicas, que são doadores importantes para os bazares”, diz Luiza.
De fato, a concorrência no recebimento dos materiais apreendidos pela Receita Federal é grande, mas uma fonte a mais de recursos para quem ainda não se utiliza desse benefício. De qualquer forma, a idéia é que as entidades devem buscar sempre alternativas diferentes de captação de recursos para não colocarem em risco seu trabalho social. Estar bem informado e ter uma equipe própria para cuidar dessa área podem ser os primeiros passos para uma captação com maiores chances de êxito.
DOCUMENTAÇÃO MÍNIMA PARA SOLICITAÇÃO DE DOAÇÃO DA RECEITA FEDERAL |
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MATERIAIS APREENDIDOS QUE PODEM SER DOADOS ÀS FILANTRÓPICAS |
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