Montando a guarda

Por: Felipe Mello, Roberto Ravagnani
01 Março 2003 - 00h00
A tarefa de escrever uma coluna como esta, que objetiva apresentar organizações sociais que tenham algo a ensinar, é permeada por questões interessantes. Em primeiro lugar, podemos explicitar a inenarrável satisfação em conhecer projetos, iniciativas, organizações e, acima de tudo, pessoas capazes de colocar em prática, driblando como um craque os infinitos obstáculos, sonhos de um espaço melhor para todos. Obviamente, cada iniciativa social tem o seu alcance limitado, e também não seria sensato cobrar de um grupo de pessoas, na grande maioria das vezes com parcos recursos, a solução de grandes problemas sócio-econômicos. Mas ao conhecer o espírito de luta e vontade de transformação de diversas entidades, sentimo-nos motivados a acreditar que uma revolução do cidadão está ganhando forças. É verdadeiramente prazeroso ter a oportunidade de relatar o esforço, a criatividade e a persistência de brasileiros e brasileiras engajados no alcance de determinado objetivo social. Não nos cansamos de lembrar a força que pode ter a iniciativa de um, multiplicada por milhões. Sinceramente? Desconhecemos. Mas enche-nos a certeza de que é possível reconstruir o espaço público, especialmente através da reconstrução física, moral e espiritual de um povo especial como o nosso. Cuidemos para que a utopia, pretenso cadafalso da ação prática, não nos faça divagar sem caminhar. Este espaço, ao apresentar gente que está com o pé na estrada, mudando realidades, demonstra, a cada edição, a possibilidade de multiplicarmos por milhões as iniciativas que vêm dando certo há muito tempo.

Jovens Sonhadores,
Cidadãos Realizados

Há pouco, citamos a utopia. Seguindo a mesma linha semântica, chegamos ao sonho. E uma época fértil para o desenvolvimento do sonho é a juventude. Nada de errado nesta prática. Pelo contrário! O sonho é um combustível para a vida. E deve ser cultivado e exercitado em todas as etapas de nossa existência. No entanto, é na juventude que as expectativas, dúvidas e questionamentos estão à flor da pele. A primeira namorada, o primeiro beijo, a turma da escola, o primeiro emprego, entre tantas outras descobertas. Momento fascinante de nossa vida, não é verdade? Sem dúvida alguma.

Após a conclusão anterior, entremos em uma seara um pouco menos óbvia. Será que toda a juventude brasileira tem tranqüilidade para sonhar? Ou melhor, será que a nossa juventude tem ao menos a expectativa de concretizar os seus ideais mais íntimos de felicidade? A resposta, obviamente sem a generalização, é negativa. Percebemos, em diversas visitas às comunidades carentes de vários locais do país, que o brilho nos olhos de nossos jovens – sintoma explícito do sonho – é comumente substituído pela sombra da desconfiança, do rancor e da incerteza. Diversos são os fatores que fazem esta transformação na vida e no olhar de um cidadão em formação. Laços familiares rompidos, envolvimento com pessoas mal intencionadas, dependência química, distância dos bancos escolares e a falta de oportunidade de emprego são algumas das motivações para a desesperança. Não podemos nos esquecer os casos de jovens que, além dos desafios expostos, ainda precisam lidar com algum tipo de deficiência, física ou mental.

Reconhecemos a importância e a criticidade de cada um dos sintomas apresentados. Felizmente, enxergamos iniciativas germinando em cada uma destas searas, através de ações governamentais ou oriundas da sociedade civil organizada. Não restam dúvidas de que ainda há um longo caminho a percorrer, mas se ignorarmos os primeiros passos, daí sim é que a jornada fica intransponível. E é exatamente neste sentido que apresentaremos na coluna de hoje um valoroso serviço à comunidade. Trata-se da JAM (Jacareí Ampara Menores), uma organização não-governamental que tem como missão principal assegurar “à criança e ao adolescente o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”. E para deixar claro como a JAM, apresentaremos duas de suas iniciativas: a formação de guardas-mirins e o programa de assistência a adolescentes carentes e portadores de deficiência mental leve ou moderada.

Uma História de Sucesso

Para entendermos o presente, é sempre válido visitar o passado. A JAM foi fundada em 8 de setembro de 1969, e o atendimento foi iniciado com uma classe de Educação Especial, recebendo alunos de grau leve e moderado, em um espaço cedido pelo Cantinho da Providência. Em 1972, com o crescimento do trabalho e a conquista da credibilidade pelo comércio, indústria e comunidade, foi instalada a primeira sede. Para atender menores em busca de ajuda, o atendimento foi ampliado a adolescentes masculinos na faixa etária de 12 a 18 anos, com a criação, em abril de 1972, da “Guarda Mirim de Jacareí”. Um importante reconhecimento foi alcançado em 1977, momento no qual a comunidade de Jacareí solidarizou-se à causa da JAM e efetivou a doação do terreno no qual seria inaugurada a sede própria da organização. A partir daí, o trabalho ganhou ainda mais força. Ressaltamos a importância do relacionamento com a comunidade, criando e desenvolvendo o espírito de participação coletiva. Não há dúvidas que o esforço em conscientizar a coletividade sobre a importância de suas ações rendeu, naquela etapa, uma grande realização. Aqueles que enfrentam mês a mês o desafio do aluguel entendem bem o significado deste passo.

O desenvolvimento da JAM se deu com a ampliação e a construção de novos pavilhões que passaram a abrigar oficinas adequadas ao aluno deficiente, ampliando o atendimento do número de adolescentes. Atualmente, a organização atende 283 alunos portadores de deficiência mental e 390 Guardas Mirins, ambos de família em situação de pobreza. Comecemos com as atividades voltadas ao primeiro grupo.

Ensinar para Integrar

Buscando inserir portadores de deficiência na sociedade e no mercado de trabalho, proporcionando um resgate da cidadania, a entidade oferece apoio através da Escola de Educação Especial “Celso Moreira de Almeida”, oficinas profissionalizantes e reabilitação com atendimento na área de saúde (médico, odontológico, fisioterapêutico, fonoaudiológico, psicopedagógico, social e recreacional). O atendimento aos educandos com deficiência mental e com idade acima de 6 anos visa dar continuidade ao processo educacional, abordando as áreas que necessitam reforço e ampliando as aquisições do aluno nos aspectos motor, sensório-perspectivo, cognitivo da linguagem, emocional, social e incluindo atividades ao aspecto acadêmico, ao aprendizado escolar e formação educativa básica. A ênfase está na reabilitação e profissionalização, visando à integração.

As oficinas oferecidas pela JAM levam em consideração a questão do trabalho do portador de deficiência, tema importante na atual discussão sobre cidadania e inclusão social. O trabalho permite a sua participação na sociedade, e a JAM possui, em pleno funcionamento, um programa de treinamento profissional que oferece uma grande variedade de experiências em atividades práticas, complementares e acadêmicas a 108 adolescentes e adultos portadores de deficiência mental em regime de externato e semi-externato, tendo a oportunidade de definir seu interesse e desenvolver suas capacidades e potencialidades para o trabalho. Além de ensinar muita teoria nas aulas, as oficinas dão o senso prático e de realização para estes alunos com necessidades especiais.

Uma outra atividade prioritária dentro da JAM é a formação de guardas-mirins, através de um programa educacional de aprendizado ao trabalho para o adolescente. Atualmente, este programa atende 390 adolescentes do sexo masculino e feminino, cursando da 5ª série em diante (período noturno). Através deste programa, os jovens têm a oportunidade de exercer funções diversas em empresas da região, estreitando seus laços com o mercado de trabalho. Para se ter uma idéia da amplitude deste trabalho na região, são apresentadas, no site da JAM, mais de 80 empresas que participam deste processo de colocação profissional. Vale lembrar que os adolescentes que participam deste programa devem pertencer a famílias de baixa renda.

Para aprimorar a formação dos jovens cidadãos do programa guarda-mirim, são oferecidas diversas oficinas. Entre elas, destacamos: oficina de saúde (orientando sobre o uso de drogas e doenças sexualmente transmissíveis, gravidez na adolescência, higiene, saúde pessoal e mental e nutrição); oficina de auto-conhecimento (cidadania, educação ambiental, auto estima e motivação, fatores para o sucesso, desenvolvimento pessoal e características da adolescência); oficina do corpo (educação física, expressão corporal, educação musical e dança); oficina de orientação profissional (estrutura e funcionamento da entidade, matemática, português, técnicas comerciais, comunicação, atendimento ao telefone, orientações sobre entrevista, como trabalhar malote, estatuto da criança e do adolescente, direitos e deveres do adolescente na entidade), oficina de segurança (prevenção de acidente, orientações sobre trânsito e primeiros socorros), oficina de informática e oficina de auxiliar de escritório. Fica clara a intenção da organização em preparar os jovens ao desafio da empregabilidade, dando-lhes ferramentas para conquistar seu espaço profissional.

Voluntariado, Parceria e Responsabilidade:
Receita sem Desperdício

A JAM conta com um corpo de voluntários que soma 350 pessoas por ano, desenvolvendo atividades como palestras, prevenção odontológica, reforço escolar e eventos diversos. Prova do sucesso do programa de voluntariado da organização: mais de 2000 voluntários já prestaram sua colaboração à entidade. E por falar em colaboração, importante informar que os recursos necessários para a manutenção dos trabalhos são provenientes de convênios com o poder público (a entidade possui utilidade pública nas esferas municipal, estadual e federal). Além disso, a entidade possui aproximadamente 1000 sócios contribuintes, além de receber, para cada guarda-mirim colocado em uma empresa da região, uma taxa de manutenção. O balanço financeiro da organização, ferramenta indispensável na gestão, é sempre publicado em jornal impresso da cidade, fornecendo credibilidade e transparência ao processo de aplicação dos recursos. Ademais, a JAM prepara semestralmente um informativo contando as atividades da organização, fazendo a distribuição na comunidade. Tendo a lição de casa bem feita, a organização certamente ganha forças no sentido de garantir o presente e assegurar conquistas no futuro.

A instituição já atendeu, nestes anos de história, 10.400 pessoas, divididas no programas voltados aos portadores de deficiências e também na formação de guardas-mirins. Existe uma demanda reprimida já levantada, o que faz com que a JAM trabalhe ainda mais forte para ampliar sua capacidade de atendimento, ampliando o leque de oportunidades para um número ainda maior de jovens e portadores de deficiência.

A nossa sociedade vive um desafio latente: direcionar a disposição e a vontade dos jovens para iniciativas saudáveis e que proporcionem desenvolvimento. O Brasil nunca teve tantos jovens em toda a sua história. E percebendo a queda do índice de natalidade, arriscamos dizer que provavelmente não mais teremos um número tão grande. Uma grande potência, que precisa ser revertida em resultados positivos. As atividades desenvolvidas pela JAM deixam clara a possibilidade de uma aliança entre os três setores (governo, empresas e sociedade civil) na transformação desta potência em esperança, parente próxima do sonho.

Dados da JAM (Jacareí Ampara Menores)

  • Voluntários atuais: 350

  • Voluntários que já passaram pela organização: 2000

  • Número de atendidos atuais: 673

  • Total de atendidos: 10.400

  • Mais de 80 empresas parceiras, que acolhem os guardas-mirins

  • Doações: roupas, garrafas PET, latas de alumínio e cartuchos de impressora jato de tinta

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