Vivemos num mundo em que a credibilidade é o valor mais precioso de qualquer organização, não apenas porque a maioria dos produtos e serviços virou commodity e, portanto, indiferenciados, mas especialmente porque a credibilidade do setor empresarial tem se convertido em um dos recursos mais escassos. As evidências de que o 1% mais rico da população mundial acumula tanta riqueza quanto os 99% restantes (segundo a ONG Oxfam, 2014) sugerem que as estruturas do mercado servem mais para a prosperidade de uma minoria cada vez menor do que para trilhar a estrada de um progresso civilizatório geral.
Por mais de uma década, temos acompanhado de perto a evolução do sentimento de confiança no universo corporativo de 15 países, tanto desenvolvidos como emergentes, e nunca antes encontramos um ponto tão baixo de legitimidade institucional para o setor privado, com índices de até 8 pontos negativos (resultado da subtração da proporção de respostas “pouca” ou “nenhuma confiança” pela parcela dos que alegam ter “muita” ou “alguma confiança”). Hoje, ao redor do mundo, a valoração do impacto positivo das grandes organizações é tanta ou mais baixa do que no pior momento do novo século, no auge da crise de 2008-2009. A confiança nas empresas é a menor em comparação a outras instituições monitoradas, e volta aos patamares paupérrimos de quando a atual crise econômica deslanchou. Na percepção da cidadania global, o agente tido como o paradigma da eficácia organizacional e da assertividade gerencial – as grandes corporações – não passa de um estorvo inoperante para a realização dos anseios coletivos. Ao invés de se constituírem na plataforma conducente a um ordenamento racional e positivo dos membros da sociedade, como observado desde finais dos anos 1980, os conglomerados empresariais hoje são recebidos com receio e crescente hostilidade.
Se bem é verdade que essa tendência não é absolutamente homogênea para todos os países – já que para nações em desenvolvimento a fé na capacidade transformadora das corporações continua maior do que em países industrializados –, a evolução da trajetória desse sentimento replica, sim, a míngua de poder progressista atribuído ao universo organizacional. Para as lideranças empresariais globais que pensavam ter acertado o rumo de 2010 para cá (quando a confiança depositada pelos consumidores nessas instituições voltou a subir), a redução do aperto econômico geral ou a adoção de uma retórica mais transparente e humanitária não os blindou contra o efeito corrosivo de alguns escândalos corporativos que acabam definindo a imagem do universo organizacional como um todo. O escândalo do uso de carne de cavalo na Europa, a extensão da corrupção ao interior de grandes grupos petroleiros, como Petrobras, os subornos em contratos de gigantes farmacêuticos como GSK, na China e em outros países asiáticos, a constante aparição de líderes tecnológicos como Siemens e HP em denúncias de manobras ilegais para garantir negócios, entre outros casos marcantes, rapidamente liquidam qualquer vantagem de percepção conquistada de um ano para outro.
Essa situação não é exclusiva dos gigantes globais. O gráfico 1 revela a forma drástica como as empresas nacionais também sofrem perda de reputação, de modo inclusive até mais intenso que seus concorrentes mundiais. Em apenas um ano, a credibilidade dos grupos nacionais despencou de predominantemente positiva (uma diferença entre opiniões de confiança e desconfiança superior aos 30 pontos percentuais) para neutra (diferença de apenas 4 pontos). O predominante sentimento antiempresarial parece não poupar nenhum país: até mesmo na América Latina, apesar da cobrança para que indústria e comércio sejam alavancas do desenvolvimento, o ressentimento parece ser tão forte quanto em sociedades plenamente desenvolvidas. Em amplo contraste, entidades devotas a causas sociais ou ambientais de alcance local ou planetário, como ONGs e Nações Unidas, revelam uma resiliência notável para surgir como referências institucionais bem-sucedidas aos olhos dos cidadãos.
Se o universo empresarial está sob suspeita, alguns setores são percebidos como melhores que outros (embora raramente cheguem perto da autoridade moral atribuída a entidades da sociedade civil ou organismos multilaterais, como a ONU). Isso significa que há segmentos empresariais que, mesmo sob o olhar torto da população, conseguem manter uma conexão mais otimista e próxima com ela. Seja por iniciativas setoriais de eficiência e transparência, pelo tipo de produtos e serviços oferecidos, ou pelo melhor posicionamento social e cultural, alguns rubros corporativos ainda são capazes de exibir um respaldo público à sua licença social para operar muito maior do que a maioria dos outros agentes empresariais.
A fotografia da confiança pública nos segmentos da economia nos revela que quanto mais perto do cidadão encontram-se as organizações desse setor, maior é sua capacidade de gerar laços de credibilidade. Segmentos que conectam marcas e pessoas (isto é, produtos e serviços próprios do B2C - business to consumers) ao invés de marcas a outras marcas (como é o caso daquelas empresas que têm outras empresas como principal cliente, o chamado B2B – business to business) conseguem surgir com mais força moral. É por isso que sociedades crescentemente rodeadas e dependentes de celulares, computadores, tablets e outros dispositivos inteligentes acabam se sentindo mais perto e mais bem acompanhadas por empresas desse setor (com uma diferença favorável de confiança de 24 pontos percentuais – a maior de todos os setores) do que, por exemplo, por grupos de mineração ou dedicados à atividade química.
Se a proximidade muitas vezes pode representar um risco, ela também demonstra ter suas virtudes, como a familiaridade e a oportunidade da construção de vínculos.
É um ponto que companhias de alimentos e bebidas têm utilizado para criar identidade de marca e conexão com seus clientes, assim como para aprimorar seus produtos e propostas.
A consequência tem sido que – mesmo com as crescentes críticas à saudabilidade da sua oferta e a pobre sustentabilidade da sua cadeia de produção – esse tipo de fabricante recebe um crédito de confiança maior do que a média das empresas (diferença favorável de 7 pontos percentuais).
Por outro lado, o hermetismo e a distância dos setores B2B como o petroleiro, químico e de mineração (todos com saldo negativo em termos de capital de confiança) representam uma barreira para alimentar sentimentos de empatia com a sociedade como um todo, tornando muito difícil anular escândalos ou casos de má gestão diante da opinião pública.
Em outros casos, a crescente impressão sobre o descolamento do setor com a agenda de interesses coletivos de suas respectivas sociedades o coloca em rota de colisão com as expectativas das pessoas: é o caso de bancos, que engordam seu faturamento descapitalizando seus clientes; dos fabricantes de bebidas alcoólicas e tabaco, que se omitem diante da adoção precoce de vícios em decorrência da expansão dos seus mercados; das companhias no setor de mídia e entretenimento, que – conforme indicam outras pesquisas – são vistas como abandonando qualquer proposta informativa crítica ou educativa.
Esses fenômenos não podem tardar em serem percebidos como componentes tóxicos – antes que progressistas – das nossas sociedades. O resultado: um desconforto público difícil de reverter com essas organizações.
Uma consequência direta desse quadro de desconfiança, e das experiências adversas com certas companhias que alimentam esse ceticismo, é o apoio a uma maior regulação e controle de setores econômicos específicos. A pressão por inibir a atuação da indústria petroleira, farmacêutica e de alimentos tem crescido ano após ano. Essa demanda por disciplina e estímulo por parte do governo e da legislação para que as empresas cumpram um papel mais responsável abrange inclusive setores em posição relativamente confortável, como o de tecnologia da informação.
O que significa tudo isso para o movimento em prol da sustentabilidade corporativa e responsabilidade social empresarial? Em primeiro lugar, a necessidade de propor um projeto de impacto coletivo que vá além de dar tração à economia e ao emprego. Em segundo, reativar parcerias multissetoriais que reconheçam a qualidade da liderança dos movimentos sociais. Em terceiro, monitorar internamente e setorialmente o comportamento de outras organizações econômicas, colaboradores ou concorrentes, para se antecipar aos escândalos e neutralizar a impressão de que entre os agentes empresariais e a sociedade como um todo, mais do que uma convergência, só há lugar para interesses contrapostos. Por último, tomar a iniciativa autorreguladora, assim como abrir canais contínuos de diálogo com a sociedade civil organizada para corrigir desvios e punir más práticas de negócios. Só redesenhando a arquitetura da confiança pública, indo muito além de campanhas circunstanciais de imagem, é que poderá ser reconstruída a ponte com os cidadãos-consumidores, cada vez mais assertivos e exigentes a respeito das responsabilidades que cabem às grandes organizações num mundo cheio de desafios.