Sustentabilidade organizacional

Por: Felipe Mello, Roberto Ravagnani
01 Janeiro 2003 - 00h00
A questão da sustentabilidade – ou, como se tornou popular, auto-sustentabilidade – das organizações da sociedade civil tem, em geral, sido tratada no âmbito da captação e gestão dos recursos financeiros necessários para o desempenho das ações a que se compromete cada organização. Embora seja óbvia a importância dessa questão ao conceito de sustentabilidade, nossa reflexão terá como objetivo pontuar outros aspectos intrínsecos ao conceito em questão, tendo como ênfase a importância do desenvolvimento das relações entre uma organização promotora de ações sociais e os demais setores da sociedade.

Cabe-nos, de antemão, discorrer alguns entendimentos sobre a captação e gestão dos recursos. Em primeiro lugar, levando-se em conta o retrospecto de formação e crescimento do Terceiro Setor no Brasil – para nos restringir espacial e conceitualmente –, devemos considerar a captação e a gestão de recursos em um espectro não restritivo aos recursos financeiros. Esses, embora sejam essenciais a uma organização, devem ser entendidos como um dos instrumentos mediante os quais a organização desempenha sua razão de ser.

Ampliando nossa visão de captação e gestão de recursos, consideramos também todas as atividades realizadas com vistas ao recrutamento de voluntários, à aquisição de bens materiais e funcionais mediante doações, à formação de parcerias. Ademais, as estratégias de gestão, por sua vez, se sobressaem à simples captação, uma vez que essa última, inserida em processos de planejamento e execução orçamentária, passa a fazer parte daquela.

Nesse sentido, é nos permitido sobrepor um conceito pouco utilizado no Brasil, mas que é de comum entendimento em países onde o Terceiro Setor já possui um caminho de profissionalização mais longo. Referimo-nos ao conceito de desenvolvimento de recursos, no qual se incluem todas as estratégias de captação de fundos, geração de renda e gestão de recursos não financeiros.

A captação de fundos diz respeito estritamente às estratégias de obtenção de recursos financeiros, que podem ser basicamente divididas em três grandes categorias: convênios (firmados geralmente com os órgãos públicos), investimentos (obtidos sobretudo com os organismos internacionais e agências de cooperação e, em menor escala porém em crescente tendência, com empresas) e, finalmente, doações, que representam a forma tradicional de participação empresarial, além da obtenção de dinheiro com pessoas físicas.

A geração de renda diz respeito a todas as atividades que uma organização oferece como moeda-de-troca para a obtenção de dinheiro. Entre essas atividades encontramos um extenso universo de produção de bens, prestação de serviços ou, mais comumente, realização de eventos (bazares, chás, bingos etc.). A diferença primordial entre essas categorias está no fato de que a captação de fundos está diretamente relacionada à causa da organização e à estrutura que ela dispõe para seu cumprimento, enquanto a geração de renda vincula-se principalmente àquilo que a organização vende.

A geração de renda diz respeito a todas as atividades que uma organização oferece como moeda-de-troca para a obtenção de dinheiro

Por sua vez, a gestão de recursos não-financeiros refere-se aos processos utilizados por uma organização para obtenção de seus resultados sociais, seja no tocante aos beneficiários de sua ação, seja em relação ao desempenho de seus funcionários e voluntários, seja no relacionamento com a comunidade em geral. Aqui devem ser considerados seus processos de comunicação, os vínculos estabelecidos com doadores, investidores, colaboradores, mídia e outros, e a legitimidade outorgada (ou não) pela comunidade.

Recente livro publicado pela editora Peirópolis, com base nas experiências da Ashoka e da Mckinsey na geração e difusão de conhecimento em empreendedorismo social, faz uma breve descrição sobre o ciclo de vida de um empreendimento social e sua busca pela sustentabilidade. Identificando quatro fases de desenvolvimento dos empreendimentos sociais, o ciclo permite observar os aspectos particulares próprios de cada fase em relação à sustentabilidade. Ora, se tomamos um empreendimento desde seu princípio – em geral, como idéia – até sua consolidação – já como resposta efetiva a uma situação –, vemos como a sustentabilidade implica direcionamentos distintos de acordo com a fase em que se encontra o empreendimento.

Enquanto idéia, o empreendimento deve, por exemplo, buscar colaboradores e públicos consoantes à questão com a qual pretende trabalhar. Esse primeiro momento exige análise contextual, identificação de parceiros e ativos comunitários afins, reconhecimento de inovações já consolidadas e formação de uma rede inicial de relacionamentos.

Em uma segunda fase, em que a idéia passa a se instrumentalizar como intervenção, o empreendimento deve fortalecer aquela rede inicial de relacionamentos, ao mesmo tempo em que atrai novos atores, sejam aqueles que proporcionarão o aporte básico de recursos financeiros, sejam aqueles que proporcionarão o aporte indispensável de trabalho, colaboração, dedicação e enfrentamento das adversidades prestabelecidas.

Após desenvolver uma metodologia de trabalho, um modo de relacionamento entre os atores envolvidos e uma forma de comunicação com a comunidade em que se dá a intervenção, o empreendimento chega à fase de consolidação: sua missão, seus valores e estratégias devem estar claros para os públicos participantes, beneficiários e possíveis interessados. É nessa fase que o relacionamento intersetorial toma pulso ainda maior, pois se faz indispensável fortalecer os laços com aquela rede inicial – Fase 1) Manter a motivação e a satisfação de todos os colaboradores. Fase 2) garantir a legitimidade da ação na comunidade e garantir o aporte dos recursos financeiros como conseqüência da efetividade daquela idéia inicial.

Ainda seguindo a linha de raciocínio do livro citado, “o empreendimento social alcança a maturidade, quando o modelo que gerou a solução para um problema social já foi estabelecido e pode então ser multiplicado”. Além da ampliação da rede de relacionamentos, principalmente em termos territoriais, deve-se reiniciar o ciclo desde a fase inicial, a fim de manter sólidas as estruturas já firmadas.

Esse processo de formação, fortalecimento e manutenção de uma rede de relacionamentos pode ser também compreendido em termos de mobilização social. De acordo com Toro A., mobilizar é convocar vontades segundo uma crença ou significado comum. Em nosso entendimento, esse processo de mobilização caracteriza-se, sobretudo, pela capacidade de envolver os atores sociais partindo de seus talentos e capacidades pró-ativas, isso é, a mobilização é um processo de comunicação que valoriza o exercício da liberdade de envolvimento e participação de todo indivíduo enquanto cidadão.

Ao considerar a mobilização como um processo de formação, fortalecimento e manutenção de uma rede de relacionamentos (caracterizada por um exercício da liberdade de escolha e participação), reportamo-nos ao tema deste escrito, tornando clara a importância do fortalecimento relacional para a sustentabilidade de uma organização.

A ilustração, extraída do livro “Utilizando o Planejamento como Ferramenta de Aprendizagem”, editado pelo Instituto Fonte como parte da coleção “Gestão e Sustentabilidade”, explicita ainda mais a importância dos vínculos relacionais:

A figura ilustra a rede de relações envolvidas em uma organização da sociedade civil. A compreensão da complexidade dessa rede serve como instrumento para a sustentabilidade da organização. No próprio livro são apresentados alguns conceitos que facilitam o entendimento de tal complexidade. O quadro é uma simplificação esquemática dos conceitos envolvidos em cada esfera das relações, que são simbolizadas na figura pelas setas bidirecionais.

Pode-se perceber facilmente que a questão da sustentabilidade refere-se diretamente ao constante trânsito de vetores internos e externos à organização. Denominada modelo-trevo, a figura esclarece, tomando de empréstimo das ciências naturais o conceito de sistema, que uma organização da sociedade civil só pode empreender suas ações e efetivar resultados em uma determinada comunidade, se sua estrutura administrativa e seu modus operandi estiverem em permanente troca com o meio no qual se insere.

Embora, em tese, tal afirmação pareça óbvia, nossa prática tem mostrado que muitas organizações não se percebem como sistemas abertos: é comum encontrarmos organizações que desenvolvem “os seus projetos”, que administram “os seus recursos” e que, portanto, assumem um alto grau de insustentabilidade, pois desconsideram, como prioritário para a sustentabilidade organizacional, a formação, o fortalecimento e a manutenção de vínculos organizacionais.

Por outro lado, percebemos também que, em geral, as organizações da sociedade civil têm buscado alternativas para aprimorar seus relacionamentos intersetoriais, superando o estágio intuitivo que historicamente as têm marcado e passando a adotar ferramentas próprias da iniciativa privada a esse processo, e considerando como premissa que as práticas e conceitos da iniciativa privada comprovaram-se eficazes, quando aplicados correta e competentemente, que se tem atribuído o título de profissionalização do Terceiro Setor.

A profissionalização do Terceiro Setor tem sido objeto de estudos e debates freqüentes e a prática de cada organização deverá ensinar-lhe o melhor sentido do termo. A profissionalização deve ser entendida, antes de tudo, como um processo de desenvolver métodos para tornar eficientes, eficazes e qualitativos os processos, projetos, programas e práticas das organizações da sociedade civil.

Um processo de mobilização social também deve ser desenvolvido de forma profissional, valorizando os diversos atores e mantendo, com os diferentes públicos, uma relação legítima e transparente, possibilitando, portanto, a manutenção e fortalecimento das ações sociais durante o período em que elas forem indispensáveis, o que, infelizmente, nos dá uma visão a longo prazo.

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