Fé e Cidadania de mãos dadas

Por: Thaís Iannarelli
01 Maio 2005 - 00h00

As histórias do Terceiro Setor e das organizações religiosas têm tanta ligação que acabam até por se confundir. Desde os três primeiros séculos após o descobrimento do Brasil, já existiam aqui instituições, hoje pertencentes ao Terceiro Setor, que eram basicamente ligadas à Igreja Católica. Por isso, os valores cristãos foram nelas implantados e pode-se até mesmo afirmar que a tradição cristã é a base das ações filantrópicas no país.

A relação dos brasileiros com a religiosidade é forte, não importa qual seja essa religião. No entanto, a forma de encarar tal questão é bem diversificada, pois as pessoas estão à procura de crenças que lhes tragam respostas.

Buscar a felicidade, solucionar conflitos e reparar danos e traumas são anseios constantes, e a resposta para os problemas pode ser encontrada no conforto e na aceitação proporcionados pelas religiões. Muitos não acreditam em uma doutrina específica, mas mesmo assim a fé que possuem em algo maior também traz a paz de espírito.

A intensa influência que as organizações religiosas exercem sobre a sociedade consegue mobilizar os fiéis a fazer o bem. “Hoje, há um grande apelo à espiritualidade. As pessoas vivem um estado de muita depressão, e os avanços tecnológicos não resolvem o problema da complexidade humana. O chamado à fé deveria desembocar em um compromisso com a cidadania e com os valores maiores da vida.

Amar a Deus implica em amar ao próximo”, diz o bispo Adriel Souza Maia, presidente do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) e membro da Igreja Metodista.

Muitos conhecem e participam de ações sociais por meio das entidades religiosas, que, além de levar fé a seus seguidores, também atuam socialmente para melhorar as condições do país.

Como funciona

O art. 3º da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), que define as organizações de assistência social, está passando por uma reformulação. A encarregada por essas mudanças é a professora Aldaíza Sposati, que defende a necessidade de uma nova compreensão da relação com entidades sociais a partir da Nova Política Nacional de Assistência Social. Assim, ela destaca que se deve dar mais atenção à parceria Estado-sociedade civil e aos pontos: abrangência da ação da assistência social, relação com a gestão da política e alcance da regulamentação.

No contexto legal, a organização religiosa não pode ter finalidade econômica, nem destinar bens para determinada atividade. Por isso, é caracterizada como um grupo de pessoas que se une para fins religiosos e que pode também ter outra finalidade, como filantrópica, beneficente e cultural.

Dentro dessa realidade, foi estimado que as organizações religiosas que trabalham pela defesa dos direitos humanos e nas associações patronais compreendem mais da metade do total de entidades do país e empregam 17% do total de trabalhadores das organizações sem fins lucrativos. Ao todo, são 70.446 entidades que empregam 101.513 pessoas, segundo dados do IBGE.

As instituições de natureza religiosa, que não são poucas, realizam atos voltados ao desenvolvimento social. Seja qual for a religião, o que realmente importa é que todas promovem ações com focos diferentes, mas procurando o desenvolvimento social e a capacitação de indivíduos para o futuro.

O fato de haver diversas religiões, e de que boa parte delas se proponha a fazer o bem, aumenta ainda mais o número daqueles que acabam influenciados a participar também das atividades. “Acho que as organizações religiosas, a começar pelos próprios religiosos, têm de participar de tudo o que possa contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas, das comunidades e do meio ambiente. Assim, colaboram para o desenvolvimento do país e do mundo”, afirma a irmã Judith Lupo, religiosa da Congregação Sagrado Coração de Maria e presidente do Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, na zona leste de São Paulo.

A importância da atuação é vista também por Guiomar de Oliveira Albanesi, presidente do Serviço Social Perseverança, instituição de natureza espírita de São Paulo de grande representação. “As entidades devem participar e colaborar com tudo o que vise o desenvolvimento do país em razão de seus postulados, porque neles estão inseridos normas e preceitos expressos no amor e na fraternidade”, declara.

“Ressaltamos o valor supremo da vida. Ela é mais importante que as instituições. As instituições, as organizações e as igrejas precisam estar a serviço da vida, e vida com qualidade. Há necessidade de apoiar todas as iniciativas que preservem e valorizem o ser humano. Esse é o grande compromisso e vocação das organizações religiosas”, conta o bispo Adriel.

De boas intenções surgem ações de desenvolvimento

Judaísmo, tradição de solidariedade

A tzedaka, ou justiça social, é a idéia que serve de fio condutor para as ações da comunidade judaica. “A palavra caridade vem de ‘cáritas’, que significa amor e, portanto, indica atos feitos voluntariamente. Já a tzedaka implica uma obrigação religiosa”, explica o rabino Alexandre Leoni, membro do Rabinato da Congregação Israelita Paulista (CIP).

A congregação começou a colocar esse ideal em prática desde sua fundação. Nas décadas de 30 e 40, muitas famílias judias desembarcaram no Brasil como refugiadas. Para minimizar o problema e acolher os filhos dos refugiados, em 1937 a Congregação Israelita Paulista – que surgiu um ano antes – criou o Lar das Crianças. O tempo foi passando e o lar começou a receber também crianças não judias.

Hoje, com quase 70 anos de existência, o Lar atende 110 crianças e assiste 47 jovens para o encaminhamento profissional. A instituição oferece educação infantil, desenvolvida na própria sede; educação fundamental, que encaminha as crianças para escolas públicas ou particulares; atendimento integral, que estuda a situação familiar e as condições emocionais da criança que, se preciso, pode pernoitar na entidade; e o programa Passaporte para a Vida, que pretende inserir os jovens no mercado de trabalho por meio de cursos profissionalizantes, técnicos e orientação vocacional.

A CIP também desenvolve outras ações. Uma delas é o Clube das Vovós, que existe há 51 anos e surgiu com o intuito de ser um ponto de encontro para pessoas da terceira idade. Ainda hoje realiza encontros quinzenais na sede da congregação. Outro programa é o Bolsa de Empregos, parte do Departamento de Serviço Social. O projeto procura recolocar profissionalmente os candidatos, que podem se inscrever pelo site.

Há ainda o Comitê da Amizade, que reúne um grupo de voluntários para fazer visitas a hospitais, e a Costura da Boa Vontade, em que 25 voluntários confeccionam peças posteriormente doadas a outras instituições sociais.

Para os católicos, um outro mundo é possível

Segundo a ir. Judith Lupo, presidente do Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, “um outro mundo é possível”, porque tudo pode mudar e vir a ser mais solidário, construtivo. “Para que a sociedade se desenvolva sem tanta violência e diferenças sociais, acredito que, antes de tudo, precisamos de justiça: bom trato para todos, emprego ou qualquer forma de geração de renda, educação, saúde e moradia, para que as pessoas possam viver com dignidade”, afirma.

Foi com esse pensamento que, em 1946, surgiu o Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto. Atualmente, a instituição reúne 52 unidades divididas em creches, centros educacionais comunitários, programas de capacitação profissional e atendimento a crianças que vivem com HIV/Aids, à população de rua e a jovens em liberdade assistida. Hoje, a entidade atende, no total, mais de 7 mil pessoas diariamente.

“A justiça vem de ‘ajustar’, e o nosso mundo está todo desajustado! Havendo justiça e desenvolvendo a solidariedade e a fraternidade, diminuem a ganância, a inveja e o ódio, e surgem a paz e o reconhecimento de que todos somos iguais”, desabafa a irmã.

Os trabalhos do Bom Parto têm como meta defender os direitos das crianças e adolescentes, familiares e população das ruas, especialmente da zona leste de São Paulo. Os programas socioeducativos desenvolvidos nas unidades buscam o protagonismo social.

O monsenhor Julio Lancellotti faz parte do Conselho Deliberativo do Bom Parto e é diretor da Casa Vida, que cuida de crianças e jovens que vivem com HIV. A Casa Vida foi fundada em 1991 e por lá já passaram 130 crianças, sendo que 52 foram adotadas.

Perseverança espírita guiada pelo amor

“O melhor caminho para que a sociedade evolua sem tanta violência e diferença social surgirá quando ela for guiada pelos sentimentos do amor, que traz compreensão, e da igualdade entre todos os seus membros.” A frase de Guiomar de Oliveira Albanesi, presidente do Serviço Social Perseverança, reflete o ideal e o ponto de vista da instituição a respeito das dificuldades que o país enfrenta.

Fundado em 1973, a história do serviço começou no Centro Espírita Perseverança, que hoje viabiliza os projetos feitos pelo serviço social. Atualmente, o Perseverança assiste mais de 2.100 crianças e adolescentes: oito creches próprias atendem crianças de até 6 anos e três núcleos socioeducativos atuam com crianças e jovens de 6 a 15 anos.

Durante o acompanhamento, os pequenos recebem cinco refeições diárias, atendimento médico, psicológico e odontológico, desenvolvem atividades de lazer, pedagógicas e socioeducativas. “Com os projetos, procuramos conscientizar a criança e a família da capacidade de melhoria e meios de mudança de seu próprio cotidiano e situação de cidadão, tornando-as capazes de protagonizar a própria vida. Nosso trabalho procura atingir a família de cada criança, seja com alguma ação social, bem como com doações, atendimentos na área da saúde, mas principalmente agir na educação da própria família, por meio de reuniões com psicólogos voluntários”, afirma a presidente da instituição.

Além desse trabalho, o Serviço Social Perseverança desenvolve outros programas, como o Domingo Feliz, em que as crianças da creche de Cotia, em São Paulo, realizam atividades complementares; a Integração Comunitária, que oferece todos os sábados aos jovens vizinhos do Núcleo Educativo Perseverança II cursos, atividades esportivas e uma refeição; o Amigos da Esperança, que consiste em palestras de orientação social e familiar e entrega de cestas básicas e roupas às famílias; e a Sopa Perseverança, a ação de voluntários que atendem moradores de ruas durante a madrugada, doando-lhes alimento, agasalhos e, principalmente, amor.

Os metodistas e a preocupação com os excluídos

Iniciada por João Wesley em 1738, a Igreja Metodista tem vocação social histórica. Assim como explica o bispo Adriel Souza Maia, presidente do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil e membro da Igreja Metodista, “toda a nossa ação missionária gira em torno do tripé: evangelização, que é o anúncio da graça de Deus, educação, o processo de capacitação e transformação pessoal e da sociedade; e social – a solidariedade humana e o compromisso com a dignidade da vida”.

A maior preocupação da Sede Nacional da Igreja Metodista é com os excluídos, como povos indígenas, crianças em situação de risco social, dependentes químicos, sem-terra, pessoas que vivem nas ruas, entre outros. “Nossa vocação às ações sociais está concentrada, prioritariamente, nos desfavorecidos da sociedade sem voz e sem vez. Ainda é bom ressaltar que a nossa grande crise é ética e moral, considerando-se um sistema econômico financeiro de exclusões sociais”, completa o bispo Adriel.

No Brasil, a Igreja Metodista realiza mais de cem programas e, para organizá-los, existe a Coordenação Nacional de Ação Social, que cuida da elaboração dos projetos apresentados e captação de recursos. As ações são feitas por meio da Assessoria Nacional de Projetos e o Conselho Geral de Instituições Metodistas de Ação Social (Cogimas).

De acordo com dados da Sede Nacional, com a soma de todas as iniciativas, a Igreja Metodista consegue atender atualmente mais de 30 mil pessoas no Brasil.

Ação social é compromisso para os presbiterianos

São diversas as ações sociais da Igreja Presbiteriana Unida, de Belo Horizonte, uma das Igrejas Protestantes Históricas do Brasil. Em âmbito nacional, ela participa de movimentos em prol da justiça, como a Campanha da Fraternidade. Localmente, todas as comunidades têm algum trabalho assistencial.

As atividades acontecem em creches comunitárias, centros de defesa dos direitos humanos, cursos de educação inclusiva, entre outros. “O melhor caminho é gerarmos instrumentos que garantam o diálogo entre os diferentes grupos sociais. Não adianta falar em paz, se não se cria um instrumento para que ela aconteça. Acredito que, hoje, a paz só se concretizará se encontrarmos elos de ligação para garantir a escuta de todos os núcleos que compõem as grandes redes mundiais. A globalização só será humanizada se houver perspectiva de diálogo”, afirma o pastor Éser Técio Pacheco, colaborador da 2ª Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte e professor da PUC-Minas e do Unicentro Newton Paiva.

Atualmente, na capital mineira, o trabalho desenvolvido é de conscientização ecológica. “Começamos promovendo atividades de sensibilização, mas pretendemos chegar aos grandes temas da ecologia social: desenvolvimento sustentável, globalização, participação comunitária, entre outros”, completa o pastor.

O amor é a resposta

A profissionalização do Terceiro Setor está em crescimento para que as ações deixem de ser somente assistencialistas e possam capacitar os envolvidos. Mesmo com essa evolução na maneira de pensar, o principal sentimento é o amor, que motiva as pessoas a quererem se profissionalizar para ajudar os outros.

Todas as crenças são baseadas e construídas no amor, que deve ser entregue ao próximo em forma de caridade. “Para termos um mundo de paz e não-violência, a mentalidade de muitos precisa mudar. O ser humano precisa ser o eixo de tudo, e não a economia, o dinheiro, a posse. O amor tem de penetrar os corações e substituir a ganância”, diz a ir. Judith Lupo.

O bispo Adriel Maia escolheu uma frase de Nelson Mandela que resume, em poucas palavras, a importância desse sentimento: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”.

Missões do novo papado

O papa Bento VXI, escolhido para suceder João Paulo II, já era considerado um dos principais candidatos à sucessão por sua importância como teólogo e defensor da religião católica.

Para seu pontificado, o alemão Joseph Ratzinger prometeu que vai continuar com a atuação do Concílio Vaticano, pois considera que os documentos continuam atualizados e que os ensinamentos são muito relacionados com as questões da Igreja dos dias de hoje, além de se manter fiel à tradição. Neste ano ainda se comemora o 40º aniversário da conclusão das sessões conciliares.

O diálogo aberto com as outras religiões para continuar a obra do seu antecessor e a atenção com os jovens também são compromissos assumidos por ele. Na verdade, Bento XVI pretende se voltar especialmente aos jovens, porque os considera o futuro da Igreja, e já confirmou presença na próxima Jornada Mundial da Juventude.

O sumo pontífice promete que não poupará esforços para manter o diálogo e a compreensão entre as diversas civilizações e chama todos os católicos a cooperarem para o desenvolvimento social.

Além do novo papado, o ano de 2005 também é marcado por ser especialmente dedicado à Eucaristia

Estatísticas

De acordo com dados do Vaticano, quando o papa João Paulo II assumiu o cargo de pontífice, a Igreja Católica Apostólica Romana contava com cerca de 750 milhões de fiéis. Hoje, tem mais de 1 bilhão de adeptos pelo mundo. Ainda segundo o Vaticano, aproximadamente 50% dos seguidores da religião estão na América Latina, 26% se encontram na Europa, cerca de 13% na África, 10% na Ásia e perto de 1% na Oceania.

Embora a porcentagem na África não seja tão alta, o continente é o que registra a taxa mais rápida de expansão do catolicismo. No Brasil, há quase 125 milhões de católicos, segundo o IBGE.

O judaísmo, considerada a primeira religião monoteísta da História, é praticado atualmente em várias regiões do globo. Mesmo assim, o Estado de Israel concentra o maior número de praticantes do judaísmo no mundo. De acordo com dados de 2003 do Bureau Central de Estatísticas, das 6,7 milhões de pessoas que formam a população de Israel, 5,4 milhões são judeus. A população judaica daquele país representa 38% do judaísmo mundial. Segundo estatísticas do IBGE, no Brasil há cerca de 86.800 seguidores dessa religião.

Já a Igreja Presbiteriana, que não possui uma sede mundial, mas faz parte de uma aliança com igrejas reformadas, atinge cerca de 54 milhões de pessoas no mundo, sendo que 981 mil estão no Brasil, de acordo com o IBGE.

Outra igreja que se destaca é a Metodista, presente em 130 países, somando mais de 80 milhões de seguidores. No Brasil, esse número é de quase 341 mil.

O espiritismo é outra religião em crescimento. Segundo o IBGE, há mais de dois milhões de seguidores da doutrina espírita no Brasil, deixando essa religião atrás apenas do catolicismo e religiões evangélicas em número de adeptos no país.

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