Manual para obtenção e manutenção de registros, títulos, declarações e certificações públicas pelas entidades do Terceiro Setor

Por: Luciano Guimarães
01 Março 2008 - 00h00

1. Reconhecimentos de Utilidade Pública

Nesse cenário, para que a instituição adquira caminhos perenes de sustentabilidade, deverá peregrinar pela busca de reconhecimentos de utilidade pública na seara pública, beneficiando-se da repartição do orçamento público por meio de seus atores que, via de regra, compõe o Poder Executivo.

A seguir, se delineiam alguns dos reconhecimentos necessários para que as entidades que almejam fomentar suas atividades por meio dos aludidos recursos.

a) Utilidade Pública Municipal

Apesar de não ser obrigatório para a obtenção do reconhecimento de Utilidade Pública Federal, o reconhecimento municipal pode ser concedido às associações ou fundações legalmente constituídas, que possuem comprovadamente missões de promoção humana. O reconhecimento no âmbito municipal é feito mediante decreto do Poder Executivo, por meio da Câmara de Vereadores, que elabora e aprova o projeto de lei, respeitados os requisitos legais para o seu encaminhamento.

b) Utilidade Pública Estadual

Para obter este reconhecimento, é necessário verificar a legislação pertinente de cada estado específico. Após o envio dos documentos peculiares, o processo se inicia quando o parlamentar protocola o projeto de lei perante a Assembléia Legislativa do Estado em que está radicada a sede da entidade regularmente constituída, mediante os documentos comprobatórios. Tudo se assemelha ao processo de âmbito municipal, em que o projeto de lei é submetido a diversas comissões, que emitem seu parecer sobre o pedido. Aprovado nas Comissões e em Plenário, o PL segue para apreciação e sanção do Poder Executivo, quando então será publicado no Diário Oficial do Estado (DOE).

c) Utilidade Pública Federal

O reconhecimento de Utilidade Pública Federal é emitido pelo Ministério da Justiça, mediante a apresentação de peculiares e precisos documentos de comprovado serviço em prol à comunidade que atua. Para solicitá-lo, a entidade deve encaminhar o requerimento por carta registrada/sedex ou protocolo (este entregue pessoalmente) nos endereços do Ministério da Justiça. O reconhecimento federal tem validade de apenas um ano, sendo que todos os anos novos documentos probatórios deverão ser submetidos ao crivo do referido ministério, agora de modo eletrônico, para se assegurar a prorrogação do reconhecimento de utilidade pública.

d) Certificado de Entidade de Assistência Social (Ceas)

O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) foi instituído pela lei nº 8.742/93 – Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) –, como órgão superior de deliberação colegiada, vinculado à estrutura do órgão da administração pública federal, responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social, cujos membros são nomeados pelo presidente da República.

Dentre outras funções, implementadas pela lei daquele colegiado, o CNAS tem a missão de promover o reconhecimento das entidades sociais como beneficentes, traduzindo tal reconhecimento no Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Ceas). A entidade portadora de tal certificado passa a ter condições para requerer benefícios concedidos pelo poder público federal, dentro de sua área de atuação. Destaca-se também a isenção das contribuições previdenciárias.

A relação dos documentos necessários à formalização do processo está fixada no art. 4º da resolução CNAS nº 177, de 10 de agosto de 2000. E o decreto nº 2.536/98 dispõe sobre as regras para a concessão ou renovação do Ceas pelo CNAS.

Entretanto, esse cenário apresenta-se um tanto quanto conturbado, devido aos últimos acontecimentos envolvendo funcionários e diretores do CNAS, bem como em decorrência do projeto de lei nº 3.021/2008, que prevê diversas mudanças no que tange a presente certificação. Em verdade, se aprovado o projeto, teremos basicamente as seguintes nuances:

Existem pontos positivos e outros negativos. Os positivos podem ser traduzidos no estabelecimento de critérios claros, mesmo porque, nada mais apropriado do que o respectivo ministério conceder tal certificação, uma vez que detêm maior conhecimento sobre a área de atuação. Contudo, alguns requisitos do projeto serão objeto de discussão, como o tempo de validade dos certificados, a exigência de diversos CNPJs, segregando as atividades sociais, entre outros.

e) Organizações Sociais (OS)

De acordo com a lei nº 9.637/98, o Poder Público poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos na referida lei.

Essa qualificação possibilita à organização receber recursos orçamentários, por meio de Contrato de Gestão, instrumento firmado com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas acima relacionadas. A Legislação Federal que institui a figura da OS representa apenas um modelo às demais esferas (municipal e estadual). Portanto, cada ente pode legislar a respeito dos serviços que entenderem necessários.

f) Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip)

A qualificação de entidades como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) foi instituída pela lei nº 9.790/99, a qual teve por escopo regulamentar um novo regime jurídico para instituições assim denominadas e os procedimentos para a celebração de convênios perante o poder público.

Apesar de a lei que rege as Oscips ter nascido com poucos benefícios, com o passar do tempo eles foram estendidos, representando uma série de benefícios, inclusive os de natureza fiscal. Para que a entidade seja qualificada como Oscip, deverá enviar solicitação formal ao Ministério da Justiça, órgão expedidor de tal certificação.

2. Recursos oriundos do orçamento público

São recursos de natureza pública, derivados de orçamento do poder municipal, estadual ou da União. A repartição desse orçamento público, quando designados às entidades, pode ser destinada por meio de subvenções sociais, Termo de Parceria, Contratos administrativos e convênios. Existe, ainda, o Termo de Cooperação que, embora não envolva a transferência de recurso, possibilita um regime de cooperação mútua.

a) Subvenções sociais

Consistem em transferência de recursos, que independe de lei específica, a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial – serviços essenciais de assistência social, médica, educacional ou cultural – sem finalidade lucrativa, com o objetivo de cobrir despesas de custeio, afeita ao controle interno, dos órgãos concedentes e controle externo.

b) Contrato administrativo

É efetuado pelo poder público quando pretende comprar bens ou serviços, procedendo, para tanto, licitação pública. Qualquer pessoa jurídica, seja ela com ou sem finalidades lucrativas, pode celebrar esse contrato, sendo que os interesses em um instrumento dessa natureza são divergentes e opostos.

c) Convênios

Instrumento que independe da realização de licitação. O Poder Público firma um acordo com entidades pelo qual transfere recursos públicos visando a execução de programas de trabalho, em regime de mútua cooperação, em que os interesses coincidem e são comuns a ambas as partes.

d) Termo de Parceria

Com o advento da lei nº 9.790/99, que instituiu a figura das Oscips, surge este novo instrumento que visa regular as relações junto ao Poder Público. Em suma, esse documento designa o acordo estabelecido entre o poder público e as Oscips, no qual existe fomento para a execução de atividades de interesse público.

e) Termo de Cooperação

Como mencionado, é um instrumento pelo qual o poder público e a entidade pretendem a cooperação mútua, sem a transferência ou movimentação de recursos orçamentários. Tem por objeto a execução descentralizada de programas, projetos e/ou atividades de interesse comum que resultem no aprimoramento das ações de governo.

3. Recursos oriundos do orçamento público por meio da renúncia fiscal

Em verdade, não há que se falar em termos de renúncia, visto que a entidade é uma instituição complementar da ação Estatal. Todavia, ainda que absorvendo esse pseudônimo, é possível admitir que a renúncia fiscal esteja baseada em dois institutos distintos: a imunidade e a isenção.

A isenção de imposto advém de lei e dispensa o contribuinte do pagamento do mesmo, mesmo havendo a obrigação tributária. Portanto, é importante avaliar as especificidades de cada legislação, dado que o poder público tem ampla discricionariedade para decidir os requisitos, duração e os respectivos beneficiários.

A imunidade tributária, por sua vez, é uma forma de exoneração fiscal que advém da Constituição Federal, na qual o Estado fica proibido de instituir imposto sobre o patrimônio, a renda e os serviços das organizações de educação e assistência social sem fins lucrativos. A constituição também estabelece que a imunidade se estenderá às contribuições para a seguridade social, como a cota patronal do INSS, o Cofins e a CSLL. Para que a entidade se beneficie com as renúncias de natureza fiscal, por meio da imunidade, a legislação ordinária estabelece alguns requisitos, cabendo a entidade galgar nos degraus alinhavados no item 1, dos reconhecimentos públicos, não obstante haver correntes doutrinárias e até precedentes judiciais que derrubam tal obrigatoriedade.

4. Recursos oriundos do orçamento público por meio do incentivo fiscal

Os requisitos para se beneficiar dos incentivos fiscais oferecidos pela legislação são importantes tanto para quem doa quanto para quem pretende receber doações. A lei nº 9.249/95 prevê que a doação de uma pessoa jurídica a entidades de ensino e/ou sem fins econômicos, reconhecidas como de Utilidade Pública Federal, poderá ser abatida do lucro operacional, até o limite de 2%. O IR é um imposto que incide sobre o acréscimo patrimonial. O benefício/incentivo concedido pelo art. 13 da referida lei e pelo art. 365 do decreto nº 3.000/99 aplica-se sobre a base de cálculo, descontando a doação da mesma.

5. Obrigações acessórias que corroboram com a sustentabilidade

Não obstante toda essa frente para a credibilidade e conseqüente sustentabilidade, a entidade social não pode se divorciar do cumprimento de incontáveis obrigações acessórias, entre elas, o registro no Comas e no CMDCA do município.

a) Conselho Municipal e Conselho Estadual de Assistência Social

O Conselho Municipal de Assistência Social (Comas) é um órgão deliberativo, normativo e fiscalizador da política de assistência social, tendo por primordial função o acompanhamento, a avaliação e a fiscalização da política de assistência social, organizando e mobilizando a sociedade civil para suas ações. As entidades de assistência social, para exercer suas finalidades, necessitam de tal registro, conforme estabelece a lei nº 8.742/93, art. 9º, assim como o decreto nº 6.308/07, art. 3º. Os requisitos podem variar de acordo com o município, sendo que na falta deste organismo municipal, a entidade poderá se inscrever no Conselho Estadual.

b) Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA)

É imperioso, ainda, que as entidades atuantes na área da assistência a crianças e adolescentes possuam previamente registro no CMDCA, conforme determina art. 90, parágrafo único, da lei nº 8.069/90. Este conselho é um órgão deliberativo e controlador das ações públicas e privadas, de atendimento e promoção do bem-estar social da criança e do adolescente em cada município.

Considerações

Como se vê, são vários os caminhos pelos quais as entidades podem optar. E, se assim desejarem, podem simplesmente desempenhar seus trabalhos sem a necessidade de qualquer intervenção, em especial, a estatal. Escolher a melhor maneira de sustentabilidade não é algo tão simples. É importante, sobretudo, fazer uma minuciosa aritmética, além de averiguar as vantagens e desvantagens de receber recursos públicos, de se certificar para se beneficiar das isenções, que possui toda uma contrapartida, entre outros aspectos.

Entretanto, sabe-se que sem os reconhecimentos de orbe público a entidade carece da credibilidade e, por conseguinte, deixa de conquistar recursos de natureza privada. O ponto negativo alia-se o fato de não existir um tempo de espera determinado para a obtenção de registros, títulos, declarações e certificados, sendo recorrentes os atrasos. A manutenção desses documentos é bem complexa e envolve o cumprimento de uma série de exigências, variando em cada caso específico.

O Terceiro Setor vive um dilema muito comum na seara empresarial, segundo o qual construir uma imagem é difícil; mantê-la é trabalhosa; mas perdê-la é muito fácil. Pensando nessas premissas é que novamente se ressalta a urgência da profissionalização desse segmento, a fim de que essas iniciativas, dotadas de excelentes intenções, possam beneficiar cada vez mais a população que se encontra em vulneração social.


Fonte: Marcos Biasioli, advogado membro do Conselho Editorial da Revista Filantropia e sócio da M. Biasioli Advogados, escritório especializado em Terceiro Setor.

 Decreto nº 2.536/98
PL nº 3.021/2008
Responsabilidade
Compete ao CNAS julgar a qualidade de entidade beneficente de assistência social
Compete a cada Ministério específico conceder a certificação às entidades:
1- Ministério da Saúde, quanto às entidades da área de saúde
2- Ministério da Educação, quanto às entidades educacionais
3- Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, quanto às entidades de assistência social
Solicitação
Funcionamento nos três anos anteriores à solicitação do certificado
Cumprimento dos requisitos, durante os primeiros 12 meses, contidos nos
16 meses que antecederem ao do requerimento
Fiscalização
Qualquer conselheiro do CNAS, os órgãos específicos dos Ministérios da Justiça, da Previdência e da Assistência Social, o INSS, a Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda ou o Ministério Público
Secretaria da Receita Federal do Brasil
Exigência 1
* Não há correspondência
Se a entidade atuar em áreas diversas, há obrigatoriedade de criação de um CNPJ para cada pessoa jurídica, sende que cada uma delas deverá apresentar seu próprio requerimento para certificação ao Ministério responsável
Renovação
A cada três anos
Anualmente
Exigência 2
* Não há correspondência
Certificados que expirarem no prazo de doze meses, a partir da publicação da lei, ficam prorrogados por 12 meses, cumprido os requisitos da mesma
Saúde
Gratuidade
60% de atendimento ao SUS em internações realizadas, medida por paciente/dia* Manteve
Complementação
de gratuidade
100% se o percentual de atendimento ao SUS for inferior a 30%
50% de redução no percentual de aplicação em gratuidade, se o percentual de atendimento ao SUS for igual ou superior a 30%
75% de redução no percentual de aplicação em gratuidade, se o percentual de atendimento ao SUS for igual ou superior a 50% ou se completar o quantitativo das internações hospitalares, medido por paciente/dia, com atendimentos gratuitos devidamente informados por meio de CIH, não financiados pelo SUS ou por qualquer outra fonte
20% se o percentual de atendimento ao SUS for inferior a 30%
10% se o percentual de atendimento ao SUS for igual ou superior 30%
e inferior 50%
5% se o percentual de atendimento ao SUS for igual ou superior a 50%, ou se completar o quantitativo das internações hospitalares, medido por paciente/dia, com atendimentos gratuitos devidamente informados, não financiados pelo SUS ou por qualquer outra fonte
Educação
Gratuidade
Compensação
de gratuidade
* Manteve
Exigência
Auditagem desobrigada para renda inferior a R$ 1,2 milhões
Publicação das demonstrações financeiras, com o parecer do conselho fiscal ou órgão similar
Complementação
de gratuidade
Resolução CNAS nº 177/2000: fala em gratuidade integral e parciais, sem delimitar percentuais
Lei nº 11.096/2005 (Prouni): fala em bolsas de 50% e 25%
IN MPS nº 03/2005: traz no bojo de seu formulário (anexo XVII) “outros percentuais de bolsa”
Bolsa de estudos integrais: 1 a cada 9 alunos pagantes – destinada a alunos com renda familiar per capita de até um salário-mínimo e meio
Bolsas de estudos parciais: 50% quando necessário para o alcance do percentual mínimo exigido – destinado a alunos com renda familiar per capita de até três salários-mínimos
Compensação
de gratuidade
* Não há correspondência
As entidades de educação que não apliquem em gratuidade o percentual mínimo poderão, mediante justificativa fundamentada e decisão do ministro da Educação, compensar o percentual no exercício subseqüente, se tiverem aplicado pelo menos 17% em gratuidade
No caso de prática reiterada da compensação em prazo inferior a três anos, o certificado será cancelado
Assistência social
GratuidadeGratuidade 20% da receita bruta
Montante nunca será inferior à isenção de contribuições sociais usufruída
* Manteve
Exigência 1Estar inscrita no respectivo Conselho Municipal de Assistência Social ou no Conselho de Assistência Social do Distrito Federal* Manteve, acrescendo a necessidade de integrar o cadastro nacional de entidades e organizações de assistência e promoção social
Exigência 2* Não há correspondênciaA comprovação do vínculo da entidade de assistência social à rede socioassistencial privada no âmbito do Suas é condição suficiente para a concessão da certificação



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